Estou sentado. Mente cansada
rabisca sobre o papel memórias idosas de vidas passadas. Histórias, de algum
lugar, lugar nenhum, as quais teriam sido vividas ou simplesmente fantasiadas em
sonhos antigos, profundos- meus.
Ainda sinto dores, aroma de
flores, amores. Sinto tudo, até mesmo o Sol, aquela luz brilhante e forte a
iluminar meu quarto e chicotear meus olhos, acordando-me severamente. Abro-os.
Suspiro. Olho o relógio, agora marca às 7:13, “ainda está cedo”, penso, tenho
tempo.
Levanto-me.
O espelho agora me apresenta um
jovem, há tempos desconhecido. Não há rugas em sua face, apenas o fastio de
seus olhos causados por horas perdidas da madrugada assistindo TV e jogando videogame . E os caroços, protuberâncias em seu braço, que só serviam pra lhe dar mais coceira, mas isso não interessa, agora. Seu corpo cheira a inocência, a displicência de quem ainda tem muito que aprender sobre a
vida.
Seu nome é Miguel. Ele está se
arrumando para ir estudar. Hoje cursa a 1ª série do Ensino Médio, numa escola ‘qualquer’-
pra que citar nomes? Não é tão significante, estudou em tantas! Sempre se
perdendo em notas, em conteúdos, em anos, recuperações. Perdendo tempo. No auge
de seus 18 anos, convenhamos que poderia ir bem mais além.
Qual era sua prioridade? Não
sabia. Nem mesmo entendia a matéria que via todos os dias. E seus pais? Bem... Não
direi que são drogados, bêbados, nem “nômades”. Não, pelo contrário, pais
comuns, casal comum com problemas, discussões, uma vida semelhante a qualquer
outro. Porém, estes tinham uma peculiaridade: Eram veganos. E o que isso
influencia no comportamento do filho? Quase nada, era uma família normal. Seus pais eram presentes!Tinham conversas com Miguel, sobre suas
carreiras, trabalho, estudos. Mas apenas conversas não geram atitudes. Semelhante
atrai semelhante. Certo?
O que nos faz mudar? Uma decepção? Tristeza?
Descontentamento? Saudade? Conselho? Um presente? Castigo? Desespero? Raiva?
Uma pessoa? Um lugar?Um sonho? Talvez a junção de tudo.
Finalmente Miguel saiu de casa. E
como fazia sempre, atravessava a rua, com sua mochila de caveira nas costas. Fones no
ouvido, mãos no bolso, celular: The doors, a quem escutava com frequência. Hoje,
porém, não era um dia qualquer. Era o mesmo caminho, horário, ruas, tudo era
igual. Até as pessoas eram as mesmas, exceto uma, que passou. Só passou. Devagar... Perfumando... Levando tudo. Até sua atenção. Neste momento era uma música: Love Me Two Times. Sua favorita estava tocando, mas
neste dia, não foi apenas a música que o tocou.
Nunca mais a vi, na verdade, nem
sei quem ela é. Hoje ainda escuto as mesmas bandas, as mesmas músicas; ainda desejo que me ame outra vez, mesmo que nunca tenha desejado o
fazer, nem tenha realmente amado, de fato. Ainda canto minhas emoções
e minhas verdades, agora grandes, não com a mesma constância de antes, afinal preciso tomar meus remédios, alimentar minhas rugas, minha fadiga
de vida.
Minha vida em detalhes não interessa.
Quantos empregos tive, o que aconteceram aos meus pais, se tive filhos ou não. Interessa quem me
tornei e quero que se torne. Era um robô, hoje sou humano, que mesmo sendo mais um no mundo, ainda é alguém por quem se vale a pena lutar e que lutou... pelo incomum, pelo
pensamento, pela mudança, mesmo que iniciada por alguém sem nem mesmo nada falar. Não importa. Ela foi feita. Ou talvez importa sim, por ter sido feita...E me faça pensar, novamente: O que nos faz querer mudar? Conselhos? Decepção? Tristeza? Descontentamento? Um sonho?Uma Pessoa? Talvez a junção de
tudo. Sentimentos em um: Amor. Amor a tudo, principalmente, à vida.
A você, com amor .
Seu pai.
(...)Diário de M.S.
[Memórias deixadas por Miguel Sanges a seu filho de 18 anos fruto de um relacionamento duradouro com Livia Conceição, a quem conheceu no colegial e viveu os melhores anos de sua vida. Ela era sua colega de classe, sempre foi apaixonada por ele e se conheceram porque “coincidentemente” Lívia tinha o mesmo perfume da garota por quem passara mais cedo. Miguel Sanges faleceu no dia 8 de Março de 2056. Morreu de Melanoma aos 43 anos, mas viveu intensamente todos seus últimos minutos de vida.]
[Memórias deixadas por Miguel Sanges a seu filho de 18 anos fruto de um relacionamento duradouro com Livia Conceição, a quem conheceu no colegial e viveu os melhores anos de sua vida. Ela era sua colega de classe, sempre foi apaixonada por ele e se conheceram porque “coincidentemente” Lívia tinha o mesmo perfume da garota por quem passara mais cedo. Miguel Sanges faleceu no dia 8 de Março de 2056. Morreu de Melanoma aos 43 anos, mas viveu intensamente todos seus últimos minutos de vida.]
Milly Almeida (04/03/2013)