"Eram dois. Dois hífens que caminhavam sobre a calçada ao
pôr-do-sol. Discutiam saberes, Discutiam
traços de histórias recontadas e riam sobre a mesmice do dia comum, mas não
para eles. Encontraram o que procuravam. Era um ponto- essencial- não final,
mas inicial. Um ponto de ônibus.
Agora eram passageiros em busca de assentos (acentos) para
se colocarem. Tinha apenas um disponível, mas não era para eles, e sim do (de)
ônibus. Era um acento diferente, um daqueles para deficientes, são mais altos,
bilaterais, dão uma tonicidade fechada; totalmente circunflexo aos outros
acentos, que eram feios, retos e abertos- agudos. Embelezavam o local. Embelezavam
as pessoas-palavras.
Sentaram-se. Não sabiam para onde iam. Apenas conversavam,
parafraseavam e a cada ponto em que paravam, analisavam metodicamente cada nova
pessoa que entrava. Pessoas? Não tinham acento. Ficavam de pé. Mas às vezes
entravam aquelas outras, que acabavam conseguindo algum lugar. Eram Fátimas,
Emílias, Vitórias, Flávios, Andrés, Josés, Cláudios. Ah! Esses precisam de
acento, não? Não precisava ser igual ao deles, podia ser agudo, melhor, devia
ser agudo! Pensavam, cansados de tanto pensar.
Logo esqueceram e se perderam na paisagem que estava ao seu
lado, para além da janela. Começaram a imaginar como seria se estivessem lá
fora e quiseram estar lá. Descer? Melhor não. Não sabiam onde estavam e já anoitecia,
melhor que ficassem seguros.
Imaginaram-se naqueles tantos outros momentos: no
algodão-doce do menino que contente andava de mãos dadas com a mãe sorrindo por
que o pedaço que tirou era grande demais para sua pequena boca, ou naquela água-morna,
a poça d’água no chão deixada pela chuva que caía logo cedo e que provavelmente
desapareceria dali, evaporaria e apareceria em outro lugar, com outro tamanho,
outra temperatura; ou como seria se
estivessem presos dentro do sapato daquela menina que dança no salão, em sua
meia-calça rosada, sentindo-a, percebendo
a música lhe arrepiar os poros, o suor tomar todo o seu corpo que se
movimenta arduamente... Não puderam ver mais, ela tinha ficado pra trás. Sua
meia-calça, o algodão- doce, a água-morna ficara pra trás, tudo não passou de
mera palavra composta passada pelo caminho percorrido por eles.
Olhares se voltaram para uma passageira que subia. Exigia um
acento, mas o ônibus não tinha. Não podia ser reto, muito menos circunflexo. Fonético,
específico, fácil de usar, mas não de encontrar. Coitada, não tinha. Mas não
aparentava tristeza.
-Boa noite. Posso me sentar aqui?
-Boa noite senhora, qual sua graça?
-Redação, muito prazer.
-Este acento não lhe cabe, nem nossa pontuação. Pedimos
desculpas.
-Por que não? Quem são vocês!?
- Bem senhora..
- Ah...já sei... Hífens!
Acertei?! Não entendo como podem ser sempre retos, estáticos, deslocados!
Sempre com dificuldades em se colocar... Devem estar aqui, provavelmente com
medo de descer. Por isso que as palavras lhe fogem e são tão excluídos e não
aceitos! Por que não tentam viver sem tantas determinações e limitações? Libertem-se
dessa retidão!
- O que quer de nós?!
- Nada! Preciso de nasalização. Sinal diacrítico! Este seu “acento”
não serve pra mim! Vocês num passam de mero sinal indicativo. Se pelo menos
deixassem...
-O quê?
- O ônibus parou escutaram? Não posso me limitar a um til,
que aqui não vi, buscarei outros momentos, outros horizontes, outras
palavras. Afinal sou uma redação, preciso disto. Espero que façam o mesmo.
Estou descendo.
- Vamos descer?
-Onde estamos? Já é noite! Vamos ficar aqui?
- E para onde iremos?!
- Vamos deixar de tantos pontos de ônibus. Tantas vírgulas
impensadas. Buscar coisas novas, experimentar coisas novas. Não somos
insignificantes. Só nos limitamos! Talvez nossos pensamentos sejam muito pequenos
para a grandeza de nossas mentes! Ela estava certa.
- E o que faremos?
-Não sei. Só penso. É bom pensar. “Por que devemos ser
traço, quando podemos ser uma curva e percorrer tantos caminhos?”
-E fecha aspas.”
E não pensaram mais. Foram. “Curvaram-se"."
(Milly Almeida (25/01/2012)